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segunda-feira, 1 de junho de 2009

FÉRIAS DE JULHO EM BAÍA DO SOL

MERCADINHO E PANIFICADORA SERVE BEM - BAÍA DO SOL
O mês de julho em Baía do Sol, é sempre prazeiroso. Os moradores esmeram-se em dar sempre um bom atendimento e fazer de tudo para que os visitantes tenham o maior conforto e que não lhes faltem nada. Dentro desse contexto inclui-se a panificadora Serve Bem, sob direção do meu confrade Mauricio. Na Serve Bem você encontra todos os dias aquele pão quentinho, feito sob medida pro seu paladar. Huummm ... já estou até com água na boca.
O atendimento é de primeira, e além de pães você encontra também outros gêneros alimentícios. Quando você for à Baía comprove o que estamos dizendo.

NARRATIVAS ORAIS DA ILHA DE MOSQUEIRO

Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro

Neste segmento de nosso estudo, apresentaremos uma breve visão da ilha em seus aspectos mais essenciais: geográficos, históricos, econômicos e culturais. Também abordaremos o desenrolar de nossa pesquisa (a bibliografia, os entrevistados, o contato com eles, a forma de coleta de dados). E, acima de tudo, o cerne mesmo de nossa monografia: as narrativas transcritas e analisadas nos termos propostos por nossa pesquisa.

2.1 Passos da pesquisa
É impossível não fazer menção a dados relevantes sobre o locus onde se deu nossa pesquisa, a não ser que quiséssemos incorrer em erros banais de metodologia de pesquisa. Então, a seção que se segue tratará desses dados relevantes.

2.1.1 Mosqueiro
Mosqueiro é uma ilha, mas não uma ilha comum, pois, embora banhada pelas águas fluviais (por isso, águas doces) de três baías (Baía de Santo Antônio, Baía do Marajó e Baía do Sol), suas praias recebem ondas de tamanho considerável, fato bastante incomum, só possível na foz do Amazonas, beneficiando a prática do turismo em várias ilhas que servem como balneários de Belém, como Caratateua (conhecida como Outeiro), Cotijuba, além de Mosqueiro, entre outras menos conhecidas.
Consideramos relevante lembrar que há três teses acerca da etimologia da palavra Mosqueiro: a primeira de que evoluiu de 'moqueio'[1], processo de conservação do pescado, segundo Meira Filho (1978: 31); a segunda hipótese afirma que a origem do nome é Ibérica, visto que existem em Portugal e Espanha lugares assim denominados, conforme informa Brandão[2]. Claudionor Wanzeller (2005: 13) afirma, ainda, ter a denominação vindo do nome de um pirata espanhol, chamado Rui de Mosquera, que teria aportado nas praias mosqueirenses no século XVI. Os primeiros habitantes da ilha, muito antes da chegada dos colonizadores, como informa a estudiosa Maria da Paz (2000: 75), foram "[...] os índios Tupinambá da Ilha do Sol, e os índios Morobira da aldeia de Mortiguara".
Salientamos que já existe uma bibliografia razoável sobre a ilha de Mosqueiro, no entanto quase inacessível, em vista de sua raridade, em termos de exemplares disponíveis ao público. Portanto, constitui grande dificuldade ter em mãos livros como os citados em nossas referências bibliográficas, de grande importância pelos dados relevantes por eles registrados, como Mosqueiro, ilhas e vilas, de Meira Filho; Ilha, capital Vila, de Cândido Marinho da Rocha; ou mesmo o livroIlha do Mosqueiro: cenário de lutas amazônidas na trilha de sua sobrevivência, dissertação de mestrado da professora Maria da Paz, entre outras obras difíceis de encontrar.
Mosqueiro se localiza na foz do Rio Amazonas e tem como fonte de sustento para seus habitantes [3] as atividades da pesca, do artesanato, do comércio (com destaque para a informalidade), do serviço público estadual e municipal, da construção civil e, principalmente, do turismo. Na verdade, muitos ilhéus vivem do subemprego como 'caseiros'. Alguns, bem poucos, vivem do extrativismo, como a população ribeirinha.
Balneário, oitavo distrito de Belém [4], Mosqueiro está ligado ao município de Santa Bárbara, no Furo das Marinhas, pela ponte Sebastião R. de Oliveira, inaugurada em 12. 01.1976. Dista de Belém aproximadamente 60,5 km pelas rodovias BR 316 e PA 391 [5]. Sua extensão territorial corresponde a "[...] 234 km², segundo a Secretaria de Economia [...]", consoante informa Maria da Paz (2000: 74), exibindo a ilha um conjunto de belas praias no litoral norte, todas em forma de enseadas de extensão variada, com 17 km de extensão total: Areão, Bispo, Prainha (Praia do Lobato, para alguns), Praia Grande, Prainha do Farol, Farol, Chapéu Virado, Porto Artur, Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba, Maraú, Caruara, Paraíso, do Sítio Paissandu, do Sítio Conceição, Praia Grande da Baía do Sol, Bacuri e Fazendinha. Há controvérsias entre os autores quanto ao total de praias, suas denominações e seu seqüenciamento, quando listadas.
Quanto a esse fato, pensamos que sejamos capazes de apresentar uma possível solução às controvérsias:
1) Os autores, como mencionamos, não estão de acordo em relação à quantidade de praias no litoral norte do Mosqueiro, nem em relação às suas denominações (inclusive estas apresentam problemas quanto à grafia), nem em relação à sua enumeração em listagem seqüencial, começando do Areão, até a Fazendinha. Por exemplo, Maria da Paz (2000: 74) enumera 15 praias, omitindo Maraú e Paraíso. Já Lairson Costa ( 2005: 10) cita 20 praias. Cândido Marinho Rocha (1972: 25) conta 17 praias. Meira Filho (1978: 64) aponta 21. No site mosqueiro.com.br [6]aparecem listadas 23 praias. Comrelação à seqüência, alguns autores, por exemplo, localizam Caruara [7] antes do Maraú, ou após o Paraíso: de fato, fica entre uma e outra, e é grafada como paroxítona, ou seja, sem o acento agudo. Meira Filho cita Ponta Alegre, que seria o Porto Artur. Lairson Costa acrescenta entre o Areão e o Bispo uma praia, que chama de Praia da Ponte. No site já mencionado aparece a praia denominada de Menino Jesus (a qual ignoramos por completo).
Outra questão a ser discutida é a seguinte: após o Carananduba, antes do Maraú, alguns autores, e o povo também, apontam as seguintes denominações para aquela praia: Caruará (concluímos, já, que é um erro de localização, além de erro de prosódia/grafia), Iguaçu, Praia da Primavera e Praia do Bosque. Talvez um plebiscito resolvesse a questão.
Nossa proposta de seqüenciamento, para tentar solucionar a questão, é esta: Areão, Praia da Ponte, Bispo, Prainha (ou Praia do Lobato), Praia Grande, Prainha do Farol, Farol, Chapéu Virado, Porto Artur, Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba, Praia do Bosque (Iguaçu ou Primavera, ou seria já Maraú mesmo, constituindo o início dessa praia), Maraú, Caruara, Paraíso, Praia do Sítio Conceição, do Sítio Paissandu, Praia Grande da Baía do Sol, Bacuri (ou do Anselmo), Camboinha e Fazendinha, perfazendo um total de 23 praias, portanto. Contudo, como dissemos, é uma proposta. Deve, e tem, de ser discutida.
2) Outra questão de discórdia é a grafia da palavra Maraú/Marahú. Tal denominação, de praia tão bela ─ Marahú ─, sugere certo modismo um tanto bizarro, já que, com o 'H', o 'U' não necessitaria de acento agudo. Todavia, a solução mais prática está em buscar luz, digamos assim, em autores mais antigos e consagrados, como Meira Filho e Cândido Marinho. Nos livros destes, a palavra surge grafada assim: Maraú. Em nossas pesquisas, encontramos o município de Maraú, na Bahia (esta, sim, com 'H', por causa de um tradição bem explicada e bem aceita), a 440 km de Salvador. O vocábulo é de origem tupi[8] e significa "luz do sol ao amanhecer", originando-se da palavra mayarahú , esta, sim, grafada desse modo, com 'H'. Não sabemos se daí é que surgiu a "idéia" de Marahú, palavra que, de tempos para cá, tem sido usada para denominar abela e longa enseada banhada pela Baía do Sol.
Capítulo à parte seria talvez necessário para comentar o descaso extremo com que as autoridades tratam questões tão vitais para os ilhéus, que muitas vezes sentem-se tratados como cidadãos de terceira categoria. O cerne dessas questões diz respeito à educação, com falta de vagas para os estudantes, ou, quando muito, freqüentando séries com salas superlotadas, faltando professores, que só são contratados no fim do ano, para 'quebrar o galho'; diz respeito à cultura, ao esporte e ao lazer, só fomentados sazonalmente, quando chegam períodos de férias para os belenenses, ou Carnaval e Semana Santa. Mosqueiro, então, pode ser comparado à 'Terra-do-já-teve'. Foram embora − talvez para não mais voltar − o transporte fluvial, a Biblioteca Cândido Marinho Rocha, o Cine Guajarino, as bandinhas, os clubes de futebol, as agremiações carnavalescas de outrora, como a Expedição Africana, Os Aliados da Vila, etc.; a saúde é outra área deficitária quanto às possibilidades de atendimento de pacientes de urgência e emergência. Entretanto, a área mais prejudicada é a da Segurança Pública, um verdadeiro caos, nada funciona, assim como o transporte público.
2.1.2 O transcorrer da pesquisa
Como qualquer trabalho de pesquisa, o nosso não escapuliu aos percalços, que tivemos de enfrentar, e vencer, de variadas ordens. A primeira barreira está relacionada à aquisição dos livros que deveríamos ler para engendrar o referencial teórico norteador de nossa monografia. As editoras, no final do ano ─ ignorávamos por completo este fato ─, entram em recesso e não remetem livros às livrarias, mesmo que sob encomenda. Tivemos que emprestar das bibliotecas, principalmente da Unama. Por exemplo, o de Vladimir Propp, já citado por nós, está esgotado e dele só há um exemplar no SBU (Sistema de Bibliotecas da Unama). Tivemos que buscar nossos próprios meios para tê-lo em mãos e estudá-lo. Do mesmo modo, os livros que têm por tema Mosqueiro, entre eles o de Meira Filho, quase todos esgotados e, raríssimos, dificílimos de encontrar.
Trabalhando como educador para a Seduc e para a Semec, pouquíssimo tempo nos sobrou para pesquisar, tendo em vista a não-coincidência dos recessos de final de ano letivo. Residir no distrito de Mosqueiro, e enfrentar a distância até a capital, também causou desconforto. Escolher e adquirir o equipamento (gravador, fitas, cartão de memória mais potente para a câmera digital) foi outro fator a obstar nosso percurso, e oneroso também. Mas tudo isso foi superado, enfim, o que nos deu bastante satisfação.
A geração dos dados de nossa pesquisa de campo ocorreu a partir de uma abordagem de estudos na perspectiva interacional-interpretativa, importando nos dados mais seus aspectos qualitativos que quantitativos. Foram entrevistadas pessoas já conhecidas do pesquisador, de maneira informal, com mínimas intervenções feitas, gravando seus 'depoimentos' em equipamento de áudio (tempo total em gravador de microfita cassete) e equipamento de audiovisual (tempo parcial em câmera digital). Buscamos orientações no capítulo 7 ("A entrevista"), do livro de Paul Thompson, A voz do passado: História oral. Tivemos alguma complicação no uso do equipamento e na transcrição (ruídos, chiados, voz baixa, vocábulos e expressões semi-inaudíveis ou incompreensíveis), o que tornou o processo complexo, lento e estafante. Contudo, foi outra etapa superada com êxito.
2.1.3 Entrevistados
A primeira pessoa entrevistada por nós é o Sr. José Brígido da Trindade, nascido em 1933, portanto, com 72 anos, residente na Av. Getúlio Vargas, nº. 738, Vila. Nascido em Mosqueiro, passou sua infância, adolescência e parte da juventude na Ilha. Viveu também em Belém durante algum tempo. Atualmente aposentado, como funcionário público municipal por Belém, trabalhou como datilógrafo, escriturário e tesoureiro. Estudou até a 5ª série e depois concluiu o Ensino Fundamental pelo Projeto Minerva. Apesar de mencionar que os fatos às vezes lhe fogem à lembrança, é pessoa de memória vívida, de conversa fluente e bem-humorada, que muito pode contribuir como informante em pesquisas futuras, pela gama de conhecimentos que salvaguarda em sua lúcida mente e sua bem organizada 'pasta' de documentos antigos. Reside com sua sobrinha, Neliza, que é também sua filha de criação, pessoa primeira contatada por nós, para nos apresentar de modo mais espontâneo possível (em benefício da entrevista) para seu pai, o entrevistado.
O segundo informante se chama José Bentes Bahia. Reside na Al. Davi Teixeira, s/nº. Nasceu em 1934. Logo, tem 71 anos. Nasceu e sempre viveu em Mosqueiro. Está aposentado, atualmente. Vive sozinho em um pequeno sítio, à beira do igarapé Tamanduaquara. Foi caçador, pescador, pedreiro, comerciante, mas se considera sobretudo marceneiro e açougueiro. Como seu sítio fica à beira do rio, ainda gosta de trabalhar fazendo montarias[9], que costuma alugar por R$ 5,00 por dia. Estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental. Dono de uma imensa sabedoria, de conhecimento empírico, Seu Broa, como é conhecido, assim como o entrevistado anterior, tem diálogo escorreito, muito bem-humorado e cheio de histórias para contar, entre elas algumas "fabulosas", que relata com extrema alegria e vivacidade. Também, como procedemos com o entrevistado anterior, primeiro contatamos seu filho, Marcos, que nos ajudou, intercedendo por nós perante seu pai, o que facilitou o contato.
É importante lembrar que ambos os informantes demonstram sentir uma grande alegria em compartilhar seus conhecimentos com os mais jovens e demonstram, também, ter enorme entusiasmo pela vida. Muito se tem a aprender/apreender com suas 'memórias'.
2.2 Análise das narrativas
Entre as várias narrativas relatadas pelos dois entrevistados, destacamos estas duas, que passamos a transcrever agora:
2.2.1 Transcrição da narrativa oral do Sr. José Brígido da Trindade
O Sr. Brígido, como é simplesmente conhecido na Vila do Mosqueiro, concedeu-nos uma entrevista em que nos relatou inúmeros fatos e prestou esclarecimentos relevantes, numa conversa fluente e amigável, na varanda de sua residência. É verdade que tivemos dificuldade na transcrição de seus relatos, visto sermos inexperientes no uso do equipamento de gravação, ficando a fita com trechos quase inaudíveis, por causa de problemas já mencionados nesta monografia. Desta feita, procedemos recuperando trechos de imprescindível importância, salvaguardando a fidedignidade das informações originais. As lacunas, claro, prejudicam a íntegra do trabalho, no entanto todo o esforço fizemos para que os dados correspondam aos originais, e a fala esteja transcrita quanto mais exato seja possível fazê-lo, respeitando as legítimas palavras e opiniões do entrevistado.
Seguem abaixo excertos das narrativas do Sr. Brígido:
Eu gostava de estudar. À noite, pegava a lamparina, acendia a lamparina,e ficava, sabe, estudando. Estudando mesmo. Quando chegava na escola, já tava tudo na cabeça. Então, ia fazer sacanagem... (...) rendia castigo pra gente, né. Por exemplo, no Grupo Velho... Eu comecei a ter raiva de terço, desde aquela altura, que era castigo você rezar o terço... e botava de joelho, que era aquele Cristo que ainda tá lá... desde o Grupo Velho. Botava lá de joelho a gente, sabe. Aquele negócio de ajoelhar no monte de milho, tinha também, aí. Não era fácil, não.
Agora, eles não me botavam de joelho porque... eu ia ter de ficar só com um joelho, o outro não tem nada...[10] (Ele riu bastante, contagiando também o entrevistador.)
Então, tinha uma diretora... uma boa professora, professora Noêmia. Ela teve um problema que ela tinha uma bochecha maior do que a outra. Égua! Mas a mulher, sabe?, era muito inteligente. Mas ela era perversa também. Gostava de dar castigo pra gente. E um dia... o Grupo Velho, ainda... (...)
Aqui o Sr. Brígido conta uma 'peraltice' dos tempos de estudante, pela qual ele e seus colegas foram duramente castigados, e tiveram de ficar trancados no banheiro.
Outro trecho relevante:
Eu saí em 46. Tenho o diploma e tudo... guardado. Gosto daquele diploma. E, naquelas alturas, no interior, com 13 anos terminava a 5ª série. Era barra! Mas... Agora, Inglês de Sousa... Não sei por que botaram o nome de Inglês de Sousa. Se bem que eu tenho até um livro dele aqui. (...) Herculano Marcos Inglês de Sousa. (...)
O que passava pela frente era o trem, né, o trem: uma locomotiva movida a lenha, né, com três, quatro vagões. Um dia vinha com três, vinha com quatro. (...)
Então, ela passava lá. Ela vinha lá do Porto Artur, Chapéu Virado, passava pela 3ª Rua. Aí, entrava pela Pratiquara... porque onde é o atual mercado, lá era a estação da...da... porra da maria-fumaça... (...)
Ela vinha devagar, sabe? Dava vontade da gente morcegar... (risos) E terminava a aula e poder... Ela passava bem na frente do Grupo e ela sempre devagar, sabe. Dava pra gente pular... Sabe como é... (...) ... estudante... moleque também... (...)
Tornou-se quase impossível prosseguir com esta transcrição, em vista dos problemas já explanados anteriormente. Todavia, cremos já´ter do Sr. Brígido, aqui, material suficiente pra proceder uma rica análise.
2.2.2 Transcrição da narrativa oral do Sr. José Bentes Bahia
Em meioa uma conversainformal, na sua propriedade,bem na beirade um igarapé (chamado de Tamanduaquara) o entrevistado, entre outras histórias, umas sobrenaturais, outras relatando fatos do cotidiano de outrora, algumas jocosas, relatou-nos esta:
Se eu for te contar história, meu irmão, é o dia inteirinho te contando história daqui do Mosqueiro. Tem história bonita e tem história feia.
Esse negócio de achar dinheiro, isso não é mentira, não. O pessoal já acharam muito dinheiro. Porque no livro mesmo diz que a maior fortuna tá enterrada na Baía do Sol, dos cabanos, que aqui tinha o maior forte cabano... a maior... soldado, exército... O Angelim que veio pra cá, o Eduardo Nogueira Angelim, ficou na Baía do Sol, né. Então, lá eles fizeram a camboa. Tem camboa na Baía do Sol que fica a cobra grande, entendeu? Tem até hoje.
Então, lá que eles conseguiram sustentar, né. Tinha 4 mil homens. Quando eles fracassavam em Belém, que eles saía daqui, eles ganhavam a guerra em Belém. Tinha muita gente, soldado.
Então diziam que aqui tá todo o dinheiro, dinheiro vivo. Diz que aqui tá todo o dinheiro enterrado da cabanagem, que eles pegavam todo o dinheiro dos caras, tomavam o dinheiro.
Inclusive, tem uma história do velho Ângelo, do velho Ângelo da Baía do Sol,pai do Beca. Tinha um preto que ficava lá dentro da taberna dele, (...) com ele... Tinha uma parte que vendia peixe que só, peixe. Tinha peixe salgado, que ele mandava praí pro Moju,pra trocar com farinha, milho... encheu canoa pra lá... E tinha um cupuaçuzar lá, tem um cupuaçuzar. Aí ele pegou e disse pro preto assim:
─ Preto ─ chamou lá o nome do preto ─ vai roçar, vai cair cupuaçu, vai logo roçar lá debaixo do cupuaçuzeiro, pra quando começar a cair não dar trabalho.
Aí o cara pegou o terçado e saiu pra lá, e ainda levou o filhozinho dele. Aí, tinha umas árvores dentro do mato. Ele pegou e disse assim:
─ Vai lá naquelas árvores lá.
Aí, quando ele viu, o preto velho, o moleque chegou com o pote.
─Olhe, pai, esse pote que eu achei no cupuaçuzeiro.
Aí, o velho disse assim:
─ O que deixaram aí nesse pote? Destampa.
Destampou o pote. Tava cheio de moeda de ouro. Era grego... Que naquela época era libra, libra esterlina, né, libra. Era em grego, italiana, né? Aí ele pegou, botou a porra do pote no ombro. Chegou lá, entrou pelo lado assim, que era separado o peixe, era separado do comércio. Aí, ele botou o pote em cima da banca lá. Aí, chegou lá. O velho Ângelo, ele tomava uma cachaça, o velho Ângelo também tomava uma; tomava uma, ele tomava uma...
Aí, ele pegou o velho Ângelo assim pelo braço e disse:
─ Olha, português filha da puta, tu deixa de sacanagem comigo, viu?─ O preto velho dizendo pro velho Ângelo.
Aí ele:
─ Por que, já?!... Que é?!...
─ Vem cá.
Ele se levanta, chega:
─ Olha lá, vê, foste bota, foste bota o pote cheio de dinheiro lá, pensando que eu sou ladrão. Eu não sou ladrão. Te manca comigo! Te manca comigo, português, viu? Te manca comigo!
Aí, o velho Ângelo disse pra ele:
─ É... agora eu to satisfeito, que deu pra ver que tu não é ladrão. Vai botar isso debaixo da cama.
Ele pegou e foi botar debaixo da cama. O filho do preto é que tirou uma moeda, entendeu? Ele usava, usava diz que lá na Baía do Sol, usava com um fio amarrado no pescoço, a moeda.
Pra tu ver... Aí que o velho Ângelo ficou rico demais, ficou. Essa história todo mundo conta lá na Baía do Sol. Não sou eu, não...
Tem enes histórias que tem no Mosqueiro... Eu te falei outro dia que não tá fazendo 10 anos, não tá fazendo 10 anos, o cara achou aqui no Mari-Mariaçu?... Já ouviste contar essa?
─ Não...
Palavra! Tá ali! Se tu quiser entrevistar o cara, tu vai. Tá vivo o cara! Olha, é mais ou menos assim... Eu não sei bem como é a história... Mas é mais ou menos... Uma vez fui pegar tucunaré, que lá tem muito tucunaré, tem uma mangueira...
E, com a uma expressividade contagiante, seu José quase não me deixava partir para casa, de tanta história que conhece e queria me contar.
2.2.3 Sobre as transcrições
É pertinente esclarecer que as narrativas transcritas, logicamente, muito perdem de sua espontaneidade e expressividade, já que, no papel, é praticamente impossível reproduzir o tom de voz, a gesticulação, o olhar, a expressão fisionômica dos entrevistados ─ pessoas que transmitem,em seus relatos, uma surpreendente vivacidade e um conhecimento memorialista que pode e deve ser preservado.
Nas atividades de ouvir, transcrever e "ler" as narrativas pudemos sem quase esforço algum detectar nelas a presença de traços sócio-histórico-culturais que preservam a memória de Mosqueiro (no que diz respeito a aspectos tais como economia, relações sociais, fatos históricos relevantes, geografia local, hábitos cotidianos, eventos cíclicos festivos, variantes lingüísticas, etc.). Por exemplo, a narrativa do Sr. Brígido, faz referência a "castigos" impostos aos alunos por causa de 'indisciplina estudantil'. Um desses castigos era ficar ajoelhado sobre grãos de milho, ou rezar o terço, fruto de confusão entre educação e opressão, religiosidade/fé e temor. São traços típicos e marcantes de uma época e seus valores cotidianos.
2.2.4 Análise da narrativa do Sr. José Brígido da Trindade
O Sr. José Brígido, tal qual nosso outro entrevistado que teve relato transcrito, oferece-nos dados de extrema riqueza a ser explorada, de natureza histórica, social, geográfica, pedagógica, religiosa, etc. Em sua narrativa, no início, reporta-se ao uso da lamparina para estudar à noite, o que nos permite a inferência de que energia elétrica não havia no Mosqueiro daquela época (década de 1940) em que ele era estudante. Só décadas depois éque seria criada, pelo Município de Belém, a Usina de Força, que funcionava irregularmente e deixava de fornecer "luz" após as 23 horas. A partir da energia vinda da hidrelétrica de Tucuruí, já na década de 1980, é que passaria a haver energia elétrica na Ilha 24 horas por dia.
Devido à carência generalizada de infra-estrutura fornecida pelos governos (estadual e municipal), a educação só atendia a população até a 5ª série, dita ginasial, naquele tempo, no Grupo Escolar do Mosqueiro (do sistema estadual), chamado comumente pelo povo de Grupo Velho, que mais tarde receberia a denominação de Inglês de Sousa[11], chamado de Grupo Novo. Essa escola ainda existe: fica na Vila, na R. Tenente Coronel José do Ó (ou, para o povo, 3ª Rua), e atendia toda a Ilha, tendo os alunos que se deslocar dos pontos mais distantes, quase sempre a pé, e tendo que sair bem cedo, para não perder as aulas. Uma enorme dificuldade.
O Sr. Brígido nos informa como era a 'disciplina' escolar na época. Sem quase liberdade alguma, aos alunos eram infligidos castigos físicos, como ficar ajoelhado no monte de milho, ou morais, como ficar rezando o terço, ajoelhado(a) em frente a uma imagem de Jesus Cristo. Claro que devemos evitar interpretações anacrônicas, contudo, não podemos deixar de opinar sobre o que pensamos ser equívocoseducacionais (no que diz respeito à metodologia e didática de aplicação de medidas "socioeducativas"'daquele tempo') e religiosa (no que diz respeito à mistura de religiosidade/fé e temor). Ambas − educação e religião −impunham valores por intermédio da opressão, do medo, do terror mesmo. Não poderia dar certo, nem em uma, nem em outra, mesmo em se tratando da religião católica, já que o Brasil é a maior nação católica do mundo; tanto que nosso entrevistado diz, numa passagem de sua entrevista: "[...] eu detesto esse negócio de terço [...]". Diríamos ser, também, detestável a maneira de 'estimular' os estudantes por meio da sabatina: quem errasse o cálculo, ou uma data qualquer de um fato histórico, apanhava com a palmatória.
Nosso entrevistado faz alusão ao trenzinho, uma locomotiva do tipo maria-fumaça, que conduzia de três a quatro vagões, ligando a Vila ao chapéu Virado. Buscando apoio em Brandão & Dantas (2004:69), encontramos as seguintes informações:
O primeiro transporte oficial aproximando a 'Vila' do 'Chapéu virado' foi inaugurado em 1904, o Ferril-Carril, bonde com tração animal, propriedade de Arthur Pires Teixeira. Com o aumento de passageiros, provocado pela instalação da linha fluvial Belém-Mosqueiro, o Ferril-Carril é substituído por uma pequena locomotiva conhecida como 'Pata Choca' que se encarregava de levar quatro ou cinco vagões.
Sobre a denominação Chapéu Virado, de uma praia, de um bairro e de um antigo hotel, convém lembrar o seguinte: C. Wanzeller (2005: 47) explica a denominação deste modo:
"[...] Para aquele local, conhecido na época como 'o lugar onde o chapéu vira', convergiam vários caminhos, alguns vindos do interior da ilha e outros que levavam à praia, onde os pescadores moqueavam o peixe. O vento, canalizado por esses caminhos, chegava à clareira com grande violência, arrebatando os chapéus de palha da cabeça dos caboclos desprevenidos e lançando-os a distância."
Já em Brandão & Dantas (2004: 65), encontramos os seguintes esclarecimentos:
Colonos portugueses fabricavam no local chapéus com abas denominadas beiras. Para alguns historiadores a expressão 'chapéu beirado' teria se convertido, com a pronúncia portuguesa, em 'chapéu birado' e depois 'chapéu virado'. Outra possibilidade é a da corruptela cabocla que identificava a beira como a parte virada do chapéu."
Nosso informante refere-se a um topônimo: Porto Artur. Era um comendador que possuía um chalé em frente à praia que hoje recebe o nome de Porto Artur, por causa do porto que ficava em frente a sua casa, onde podia aportar o barco que trazia sua família para o aprazível fim-de-semana. Hoje, além da praia, um logradouro também tem seu nome: Trav. Artur Pires Teixeira. A razão de se dar importância a esse ilustre freqüentador da Ilha é que foi ele fundador, além da linha férrea, do primeiro e único cinema de Mosqueiro: o Cine Guajarino, que, conforme Pedro Veriano (1999: 40), funcionou de 1912 até 1976.
O Sr. Brígido falou, ainda, de dois logradouros: a 3ª Rua e a Pratiquara. O nome oficial da 3ª Rua é Tenente Coronel José do Ó. É bem comum na Vila esse fato, pois a grande maioria dos moradores costuma nomear os logradouros de 1ª, 2ª, 3ª, etc., até a 8ª Rua. Porém, todas têm nomes oficiais de personalidades históricas que, de um modo ou de outro, foram relevantes para a história do Mosqueiro de outrora. Pratiquara é o nome de uma travessa importante na Vila, bairro mais antigo da Bucólica (que é outra denominação da Ilha). É de origem tupi o vocábulo e originou-se a partir do principal rio que entrecorta o interior de Mosqueiro, o Pratiquara, que , em português, significa "rio das pratiqueiras'. Muitos outros topônimos no Mosqueiro são de origem tupi: Mari-Mari, Ariramba, Carananduba, Sucurijuquara, etc.
A expressividade de nosso entrevistado vem de sua espontaneidade ao falar, de seu ótimo humor, da coloquialidade de sua fala. Por exemplo, emprega a palavra 'morcegar' que, segundo Houaiss (2004: 1959), significa, no contexto usado, "[...] embarcar ou saltar de (trem, bonde etc) em movimento." E, de certa forma, sentimo-nos também com vontade de morcegar, tanto o trenzinho, quanto a narrativa contada, tamanha a vivacidade e importância de suas reminiscências.
2.2.5 Análise da narrativa do Sr. José Bentes Bahia
A narrativa do Sr. Bahia apresenta uma gama de dados muito rica, a tal ponto que( nestes tempos em que na educação muito se discute ─ e quase nada se aplica ─ sobre a pluri, a multi, a inter e, mesmo, a transdisciplinaridade, a visão holística do conhecimento, a teoria das inteligências múltiplas), a tal ponto, reiteramos, que se prestaria a uma análise multifacetada de aspectos que notoriamente saltam aos olhos.
O Sr. José Bahia faz referência à Cabanagem em várias passagens, como esta: " [...] a maior fortuna tá enterrada na Baía do Sol, dos cabanos, que aqui tinha o maior forte cabano [...]" Fato este que pode ser confirmado por autores idôneos, como Pasquale Di Paolo (1985: 295): "[...] em 21 de janeiro de 1836 enviou [ o marechal Manuel Jorge Rodrigues] uma expedição com 100 homens a Mosqueiro, que conseguiu, numa dura batalha, derrotar o posto cabano do Chapéu-Virado [...]". Meira Filho, C. Wanzeller e Brandão confirmam esse fato[12].
A narrativa localiza os fatos ocorridos numa das mais antigas comunidades do Mosqueiro, que é a Baía do Sol, que, segundo Brandão & Dantas (2004: 64), é localidade com praias banhadas "[...] pela baía de mesmo nome, foi habitada por índios que cultuavam o 'Deus Sol'. No dia 22 de junho os raios solares costumam formar um ângulo de 90° com a superfície; este fenômeno é denominado equinócio." Ali na Baía do Sol, dos tempos em que o relato remonta, até os tempos atuais, a pesca artesanal e de subsistência é hábito cotidiano, existindo lá a Colônia de Pescadores Z-9. E árvores frutíferas regionais (como o cupuaçuzeiro) são ainda muito cultivadas nos quintais. Tanto 'naquele tempo', como hoje, a ingestão de aguardente de cana (cachaça) é outro costume cotidiano, presente no relato do Sr. José Bahia.
O Sr. Bahia refere-se a camboa, vocábulo que, entre outros sentidos, nomeia uma espécie de armadilha construída na beira da praia, para aprisionar peixes. Ora, uma das praias de lá se chama Camboinha. Uma coisa e outra provavelmente estão ligadas.
Segundo o nosso citado informante, "Tem camboa na Baía do Sol que fica a cobra grande, entendeu? Tem até hoje." Esse mito ─ da cobra grande − é muito divulgado eocorre em muitos pontos geográficos da Ilha, além de lá da Baía do Sol. Por exemplo, algumas pessoas afirmam ter visto aparecer no Pau Amarelo (região ribeirinha), na Ponta do Amor (ilha que fica na praia do Farol), ou que mora na Fábrica Bitar[13].
Segundo Walcyr Monteiro (1993: 206), " A Cobra Grandeé outro ser aquático descrito como sendo uma cobra de enormes proporções, cujos olhos são como dois faróis e que afundam grandes embarcações com faciliodade. Pode ainda transmudar-se num navio encantado. Muitos rios amazônicos e até mesmo igarapés têm a 'sua' cobra grande, considerada 'mãe' desses lugares."
Fazendo cotejo com os livros Abaetetuba conta..., Belém conta... e Santarém conta..., do Programa de Pesquisa O Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP), da UFPa, verificamos a recorrência do mito da cobra grande em inúmerosrelatos (treze, no total, nos três livros), o que nos leva a concluir que, em todas as narrativas o mito é o mesmo, apesar das pequenas variações apresentadas. No livro A imagem mítica, de Joseph Campbell[14], constatamos que a serpente como manifestação mítica é de natureza mundial, ou seja, manifesta-se em quase todos os pontos do globo. Lembramos, por exemplo, que, na mitologia grega, o deus Apolo mata a poderosa serpente Píton. É a Serpente do Paraíso (personificação de Satã), na teogonia judaico-cristã, que faz o ser humano 'cair em tentação'. Na China, tanto quanto nos países nórdicos, os dragões (alguns alados) abundam o imaginário do povo. Entre os navegantes europeus, antes das Grandes Viagens Marítimas, entre outras temíveis 'ameaças', estavam as serpentes marinhas a apavorar a tripulação de cada nau aventureira.
Por que essas manifestações do mito da serpente têm ocorrência global? Ora, é um animal presente em muitos habitats do mundo todo. É animal diferente, estranho, perigosíssimo e, até mesmo, mortal. Daí possamos concluir viresse mito a povoar concomitantemente a mitologia de culturas tão díspares no espaço global do planeta[15].
Aproveitando o ensejo, devemos lembrar que o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1978: 33)afirma ter o ser humano a mesma estrutura mental, onde quer que este esteja geograficamente localizado, seja em tempos idos, atuais, ou no futuro. Assim, os arquétipos míticos se repetiriam em povos que espácio-temporalmente estejam em muito distantes entre si. Por isso, temos aqui a preocupação de associar o relato do Sr. Bahia ao mito irlandês de que um ente sobrenatural − o Leprechaun −, uma espécie de duende, é guardião de um pote de ouro que ele oculta no fim do arco-íris.
Por outro lado, sabemos que, de muito tempo para cá, os mosqueirenses relatam histórias de bolas de fogo que perseguem bicicletas nas estradas. Muitas pessoas falam delas na Beira-Mar, na Prainha do Farol. Dizem alguns que se trata de espíritos guardiães, de cabanos, que protegem os locais onde foram enterrados tesouros deles. E, é bem possível que, em retirada brusca, o fruto de pilhagens na capital, Belém, extremamente pesado, fosse enterrado em pontos de destaque e referência, como ao pé de grandes árvores, ou próximo a grandes rochas. É necessário lembrar, também, que no passado as pessoas tinham o hábito de enterrar dinheiro nos quintais, ou por não confiar nas casas bancárias, ou por causa da inexistência delas,costume europeu trazido até nós pelos portugueses.
Mas, e as bolas de fogo? Podemos, aqui, sugerir uma interpretação científica − contudo, não a melhor, diríamos − acerca do fato: sabemos que existem organismos em decomposição logo abaixo da superfície do solo, que originariam os fogos-fátuos[16] a partir do metano ( o gás natural) produzido no processo. Com a compressão por causa do peso das rodas das bicicletas e/ou carroças, os gases podem ser expelidos do subsolo, entrando em combustão em contato com a atmosfera. Não seria absurdo relacionar cada fogo-fátuo com espíritos guardiães de tesouros. Porém, trata-se apenas de uma hipótese. Só isso.
A força expressiva, a eloqüência verbal de nosso entrevistado advém, dentre outros recursos lingüísticos, do trânsito que faz entre os níveis de linguagem, flutuando entre o popular/coloquial (passagens e expressões como: " [...] tinha um cupuaçuzar lá"; [...] tá todo o dinheiro [...]; o uso em excesso do coesivo de progressão temporal "Aí"; entre outrosexemplos), o calão ( duas ocorrências: "filha da puta" e "porra") e, até mesmo, incursionando pela gíria ( " [...] pegavam todo o dinheiro dos caras [...] e "Te manca comigo!", por exemplo).
Fazendo análise do discurso do texto da narrativa, verifica-se a ideologia presente e detectada da seguinte forma: há três actantes, mas apenas um é nomeado, o "velho Ângelo". Já os outros dois, pai e filho, não. O pai é identificado como "preto velho", "preto", e o filho dele como "filho do preto". O personagem Ângelo é que protagoniza a ação de ficar com o pote, sendo, numa análise proppiana, o beneficiário, enquanto o "preto" seria o beneficiador. De qualquer forma, o "preto" é mandado pelo português e enganado por este, que explorasua ingenuidade, reproduzindo uma secular ideologia de dominação que ainda perdura e que, só para alguns, é sutil, pois, na verdade, é gritante.
Não é porque a narrativa do Sr. José Bentes Bahia seja hiperbólica que deva ser menosprezada. Um exército cabano, de 4 mil homens, com um forte, é pouco provável. Na ocasião da batalha no Chapéu-Virado, o presidente cabano (Angelim) estava na capital, Belém. É coerentíssimo, porém, o fato de haver milícia cabana em fuga em 1836, escapando das tropas legalistas pela Baía do Sol rumo a Colares, e dali para Vigia.
Com imensa satisfação de ver nossa pesquisa chegar a termo, encerramos este capítulo, que tratou de dar uma visão geral sobre o locus onde se realizou a pesquisa, apresentar os entrevistados com suas narrativas transcritas e, finalmente, as próprias análises dessas narrativas, com as quais muito pudemos aprender, de modo o mais pragmático possível, e consciente e engajado, fato que demonstra que, na ausência de documentação farta, fidedigna e comprobatória, aí entra a História oral, que deve ser encarada como uma ferramenta poderosa para se chegar aos fatos, seus significados e sua importância para o povo − este como motor da História, não os great man.
[1] Segundo a revista Ilhas amazônicas pág.11, 'moqueio' significa "[...] técnica tradicional onde (sic!), sobre uma grelha feita com pau de tucumã e envolta ma folha de guarumã, a carne fica exposta a um fumeiro feito com a lenha do murucizeiro ou do maraximbé".
[2] Revista Ilhas amazônicas, pág. 11.
[3] Conforme o IBGE, a população residente é estimada em 30.000 habitantes (Ilhas amazônicas, pág. 7).
[4]Conforme Meira Filho (1978: 37), Mosqueiro foi elevado à categoria de Freguesia em 1868, depois Vila em 1895 e, finalmente, Distrito de Belém, em 1901.
[5] Ainda segundo a revista Ilhas amazônicas, pág. 20.
[6] Criado recentemente, acessado em 01.01.2006.
[7] Conforme Brandão & Dantas (2004: 64), caruaras são: "Doenças, males ou enfermidades: cólera, sarampo, varíola, reumatismos; talvez causada por mau-olhado, quebranto."
[8] Site www.bahiatursa.ba.gov.br
[9] Montarias são pequenos cascos aos quais se acrescentam, na parte de cima, tábuas de louro (farcas), para que possa suportar maior carga.
[10] O Sr. Brígido tem deficiência física em uma perna, causada por poliomielite, por não haver vacinação contra a doença 'naquela época'.
[11] Inglês de Sousa (1853-1918), que dá nome à atual Escola Estadual de Ensino Fundamental Inglês de Sousa, é escritor paraense, de Óbidos. É autor de obras significativas para o Realismo-Naturalismo brasileiro: História de um pescador (1876), O cacaulista (1876), O coronel Sangrado (1877), O missionário (1888) e Contos amazônicos (1892). Teve a primazia de introduzir o Naturalismo em nossa literatura, pois já praticava seus pressupostos em suas primeiras obras, as duas de 1876, enquanto o livro de Aluísio de Azevedo, O mulato(que oficialmente introduz tal estilo literário nas letras nacionais), data de 1881.
[12] Meira Filho (1978: 88); C. Wanzeller (2005: 14); e Brandão (2006: 10).
[13] Conforme Brandão & Dantas (2004: 65), fábrica de refino de óleos vegetais construída em 1925 pelos irmãos libaneses José Miguel Bitar e Simão Bitar, mais tarde passando a exportar borracha, após compra de equipamentos mais modernos.
[14]Exatamente no capítulo "A serpente-guia", que inicia na pág. 276.
[15]Para aprofundamento sobre o assunto, sugerimos consulta ao sitewww.gargantadaserpente.com/sagrada/index. shtm .
[16] Segundo Houaiss (2004:1363), "s.m. luz que aparece à noite, geralmente emanada de terrenos pantanosos ou de sepulturas, e que é atribuída à combustão de gases provenientes da decomposição de matérias orgânicas; boitatá; bola de fogo; fogaréu".

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Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues Nasceu em 1968. Tem graduação em Letras, Língua Portuguesa, Especialização em Língua Portuguesa e Análise Literária. No momento estuda Mestrado em Estudos Literários, pela UFPA. Artista plástico por hobby, gosta de escrever contos, crônicas, poemas e ensaios de natureza vária, principalmente ligados à literatura... Mora numa ilha chamada Mosqueiro, com muitas praias banhadas por um rio-mar com ondas, ondas de águas doces.

O trabalho invisível das mulheres pescadoras

Walter Pinto
A pesca no estado do Pará está derrubando um antigo mito: o de ser uma atividade exclusivamente masculina. Segundo dados da Federação dos Pescadores - Fepa, as mulheres representam, hoje, cerca de 10% do total de 120 mil pescadores artesanais em atividade no Estado.
Trabalhando, principalmente, na captura de mariscos, no beneficiamento de produtos e na confecção e reparo de apetrechos de pesca, as mulheres, aos poucos, estão se impondo num setor que guarda uma cultura de preconceitos em relação a elas. Vencer as barreiras não tem sido tarefa fácil, principalmente porque somente agora, elas próprias estão se reconhecendo como pescadoras.
Essa é também a história das mulheres pescadoras da Baía do Sol, localidade na costa oriental da Ilha de Mosqueiro, balneário distante 82 km de Belém do Pará por via rodoviária. Há quase uma década, a socióloga Josinete Pereira Lima acompanha a evolução da luta daquelas mulheres em defesa de seus direitos. Em 1995, com uma bolsa de iniciação científica, ela travou o primeiro contato com a comunidade, ainda na época da graduação. Em fevereiro de 2004, o resultado de suas pesquisas virou tese de mestrado. Neste meio tempo, as coisas estão mudando na Baía do Sol.
Com o título "Pescadoras e donas de casa: a invisibilidade do trabalho das mulheres numa comunidade pesqueira - o caso da Baía do Sol", a tese de Josinete, defendida em fevereiro passado, revelou um cotidiano feminino dividido entre os afazeres do lar, o trabalho na roça e as atividades da pesca. Também registrou o processo de conscientização daquelas mulheres sobre a pesca enquanto profissão, resultando na organização da Associação das Mulheres Pescadoras e na filiação delas à Colônia de Pescadores Z-9.
Desenvolvendo uma das profissões mais antigas do mundo, o trabalhador da pesca, no Brasil, somente passou a ter direitos a benefícios previdenciários com a promulgação da Constituição de 1988. Em regime de assegurado especial, o pescador tem direito à aposentadoria, seguro por acidente, pensão por morte, auxílio-doença e auxílio-reclusão. Para pleitear esses benefícios, precisa estar filiado a uma colônia de pescadores, que cumpre papel semelhante ao de sindicato.
Quando iniciou seu estudo, Josinete percebeu que dentro das políticas públicas oficiais não havia espaço para a mulher pescadora, reforçando a idéia da pesca como atividade eminentemente masculina. Na Baía do Sol, havia não mais que cinco pescadoras filiadas à colônia Z-9, em 1995.
Após essa constatação, a pesquisadora quase chegou a desistir do tema. No entanto, observando que os pescadores da localidade possuíam esposas e filhos, decidiu redirecionar o objeto de seus estudos para suas famílias. Procedeu, então, consulta aos formulários de um levantamento realizado pela professora Luzia Miranda Álvares, sobre as famílias daquela comunidade. Após a identificação das mulheres, a pesquisadora partiu para o trabalho de campo.
Josinete observou que, no relatar de seu dia-a-dia, nenhuma mulher de pescador se assumia como pescadora. Contaram que acordavam às 5 horas da manhã, preparavam o café, arrumavam os filhos para a escola, limpavam a casa, providenciavam o almoço e, dependendo da maré, saíam à pesca, que consistia em colocar matapi na enchente do igarapé, retornando, na vazante, para recolher o resultado, que ia para mesa da família. É o que se chama despescar. Outra atividade que as mulheres da Baía do Sol realizam costumeiramente é a tapagem do igarapé para a pesca do camarão. Estendem uma rede transversal no igarapé, segura pelas extremidades, e procedem à varredura. "Na verdade, elas desenvolviam um trabalho de pesca, mas não se consideravam pescadoras porque faziam aquilo como uma extensão dos afazeres domésticos, como uma atividade da casa", explica a pesquisadora.
O desenvolvimento dos estudos aproximou Josinete dessas mulheres. Seu trabalho contribuiu para lhes abrir o horizonte, principalmente quanto à necessidade de organização em busca dos direitos concedidos aos homens. O primeiro passo foi o despertar das consciências para a atividade que exerciam. "Nosso papel foi dar palestras, realizar seminários, falar dos direitos previdenciários, lhes explicar o sentido do 8 de março, Dia Internacional da Mulher", conta.
Em 1997, 13 mulheres, esposas de pescadores e igualmente envolvidas coma atividade pesqueira, criaram a Associação de Mulheres Pescadoras da Baía do Sol, atualmente com cerca de 130 associadas. Não por caso, a fundação ocorreu no dia 8 de março. "A partir daí, elas começaram a se inserir na Colônia de Pescadores. Sempre colocamos que a associação era importante para a organização delas, mas que deveriam estar filiadas à colônia, porque é esta que lhes fornece os documentos exigidos para obtenção dos direitos previdenciários", relata a pesquisadora.
A relação das mulheres pescadoras com o posto de benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS é marcada pelo desencontro de informação e preconceitos. No preenchimento da ficha de solicitação de benefício, as mulheres costumam responder naturalmente que são domésticas e acabavam sendo excluídas.
Diante da quantidade desse tipo de casos, um ex-presidente da colônia foi ao gerente do posto do INSS, em Mosqueiro, e reclamou: "o seu pessoal não conhece a realidade do meu povo, não sabe o que é a pesca. Quando a pescadora chega aqui e vocês perguntam qual a ocupação dela, ela não está mentindo quando diz que é dona de casa. Mas ela é muito mais que isso. É dona de casa, é pescadora e é agricultora. Dependendo do horário, ela faz alguma coisa".
Essa multiplicidade de atividades, por outro lado, concorre para mais um tipo de entrave burocrático, a dupla filiação à colônia e ao sindicato rural. Nos pedidos de aposentadoria, o INSS cruza os dados e descobre a duplicidade, que impede a concessão imediata do benefício.
Há também questões ligadas ao preconceito do qual é vítima a operária da pesca. Uma dessas questões é o estereótipo da pescadora. A idéia que se faz da pescadora é da mulher simples e sem vaidade. Mas quando vão à cidade, elas gostam de se arrumar, fazer as unhas, passar batom, enfim, são mulheres e vaidosas também. Em Abaetetuba, uma pescadora contou à pesquisadora que ao chegar ao INSS, a funcionária olhou-a espantada, chegando a duvidar que fosse mesmo pescadora. "Como se, por ser pescadora, eu tivesse que andar suja, rasgada, com a roupa da pescaria", contou-lhe.
Crenças se originam no mito da masculinidade da pesca
É na infância que ocorre o primeiro contato de homens e mulheres com as atividades pesqueiras. Em geral, é o pai que ensina o filho a tecer uma rede. Ou quem lhe dá uma linha de pesca para se distrair enquanto concerta a embarcação na beira da praia. Não se trata de exploração do trabalho infantil, como, à primeira vista, possa parecer. Nesta fase, a pesca não passa de um passatempo.
As crianças vão à escola, mas poucas levam os estudos até o final. O nível de abandono é alto. "A escola está muito distanciada da realidade dos estudantes. Na juventude, muitos abandonam a sala de aula porque não conseguem ver relação das matérias com o mundo em que vivem", afirma Josinete Pereira.
Os rapazes, em geral, seguem a profissão dos pais, tornam-se pescadores. As mulheres se ocupam das tarefas do lar, incorporando atividades da roça e da pesca. Ser mulher numa comunidade pesqueira é enfrentar alguns preconceitos que estão arraigados na cultura do povo. Não pode, por exemplo, tocar numa rede de pesca que pode trazer azar ao pescador.
Quando estão menstruadas, elas são tidas como panema, pessoa infeliz na caça ou na pesca, segundo define o dicionário Aurélio. Todos os preconceitos se originam do mito de que a pesca é uma atividade masculina. "As próprias mulheres acreditam muito nessas crenças. Perguntadas porque elas não pescam quando estão menstruadas, dizem que é porque isso atrai o boto, que fica rodeando o barco, algumas vezes chegando a alagá-lo. São coisas que estão incorporadas na cultura da comunidade pesqueira em todo o Estado do Pará", afirma a mestra em sociologia.